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Mulher, trabalho e família
por Daniela Schmitz
Colocando de lado as cores e ideologias fora de época, muito temos discutido e a discutir sobre a igualdade de direitos das mulheres no ambiente de trabalho e do valor que essa igualdade pode gerar, inclusive, para as corporações. Nesse contexto surgem debates que vão desde o tempo ideal da licença maternidade e políticas que flexibilizam o horário de trabalho até o combate ao preconceito contra as mulheres em relação a sua produtividade depois da maternidade, buscando construir um ambiente mais humano e justo para acolher a jornada dupla que mulheres enfrentam, em especial quando se tornam mães.
São pautas extremamente relevantes, atuais e, mais do que nunca, fundamentais. No entanto, gostaria de acrescentar outro elemento a essa discussão. No meu ponto de vista, a vida não é compartimentada. A vida pessoal e a profissional são interdependentes, assim como seu sucesso e sentimento de realização. O combate ao machismo e preconceito no ambiente de trabalho é extremamente urgente, mas é preciso enfrentar esse combate dentro de nossas casas também. Percebo que, em muitos casos, as mulheres já se empoderaram em discurso e atitude no ambiente corporativo, mas ainda não conseguiram o mesmo êxito nos seus projetos familiares. Não me refiro apenas às relações conjugais, mas a um repacto relativo ao papel da mulher na estrutura familiar como um todo.
É evidente que gravidez e amamentação são momentos intransferíveis do feminino. Que privilégio o nosso, aliás! Mas sabemos muito bem que a tal “jornada dupla” não se restringe a esse período e que, em grande parte dos lares, a fatia de responsabilidade doméstica das mães é bem maior do que a dos demais familiares.
A análise deve passar então pelo quanto nossas próprias famílias são machistas. Quantas vezes nós mesmas atuamos de forma machista, atribuindo o nome de “ajuda” a gestos que deveriam ser simplesmente atividades domésticas compartilhadas? Quantas de nós tem filhas e até filhos feministas, mas apenas da porta pra fora, enquanto na hierarquia familiar persistem comportamentos ancestrais? E por que é tão difícil dividir a responsabilidade entre todos de forma equilibrada? O quanto estamos preparadas para encarar essa discussão com eles? E com nós mesmas? Estamos dispostas a dividir o controle? Estamos prontas para corresponsabilizar nossos filhos, nosso parceiro e ainda assim nos sentirmos imprescindíveis e, principalmente, amadas? Como podemos quebrar paradigmas culturais e sociais centenários? E o que fazer com a culpa de propor uma dinâmica familiar diferente numa sociedade ainda carente em sororidade e altamente competitiva? Some-se a tudo isso a carga “política-ideológica” que insiste em nos fazer retroceder.
Nesse ponto, parece que temos muito o que aprender com famílias homoafetivas, nas quais os papeis costumam ser divididos por disponibilidade e aptidão e não por gênero.
Ocorre que a igualdade de direitos só é integral se somar o ambiente social, corporativo e familiar. Para que não corramos o risco de pretender que as empresas, não apenas promovam a igualdade de direitos no trabalho, mas também proponham mecanismos que compensem a eventual desigualdade de direitos do núcleo familiar. Por incrível que pareça, em muitos casos, essa discussão evoluiu mais no âmbito corporativo do que dentro de casa, onde os laços afetivos parecem correr risco se dogmas ultrapassados vierem a ser repactuados e atualizados.